segunda-feira, 25 de abril de 2011

Onde está a democracia?

Por: Everton Marques de Carvalho

Moses Finley é especialista em Grécia Antiga, tanto do período Arcaico quanto to do período Clássico. Escreveu também The Ancient Greeks (Os Gregos da Anti-guidade), onde ele conta o surgimento da civilização grega e também como funcio-nava em seu período arcaico, como se constituíram as cidades e como se dava a relação entre elas. Em The Ulysses World (O Mundo de Ulisses), Finley trata de como era a Grécia Arcaica, principalmente dando enfoque às sociedades ateniense, espartana e troiana, como se dava a relação cultural e econômica entre elas, o que causou as guerras entre gregos e troianos. Uma outra obra muito conhecida do autor é Democracia Antiga e Moderna, onde ele faz um paralelo entre a democracia ateniense e a democracia moderna, obra esta que contém o capítulo Líderes e Liderados.

Democracia Antiga e Moderna é uma crítica à democracia moderna, onde Fin-ley busca na Democracia Antiga os fundamentos da Moderna, busca em seu traba-lho estabelecer semelhanças e diferenças entre elas. Líderes e Liderados é o capitulo que trata das relações entre governantes e governados na Grécia Antiga, ou para ser mais preciso, em Atenas, mantém o rigor crítico, mas toma base em dados teóricos e práticos para criticar a democracia moderna. O autor mostra que a tendência liberalista das democracias ocidentais, e a distorção do ideal desta doutri-na causa aos cidadãos comuns um sentimento de Apatia Política, pois o cidadão só participa da política enquanto eleitor, no mais é apenas o cidadão comum, não participa diretamente da política. O cidadão escolhe representantes que tomarão as decisões da nação durante um período. Mas esses representantes apenas dizem fazer a vontade dos seus eleitores, no mais tratam de criar formas de se manter no poder.

É essa não-participação que gera o que o autor chama de “Apatia Política”, que é uma rejeição ao direito de voto. Quanto às democracias modernas onde o voto é obrigatório, ou seja, nos países mais pobres, onde os governos são mais corruptos, a apatia se mostra em abstenções nas urnas ou em sentimentos anti-nacionalistas. Essa apatia política é resultante da não satisfação dos cidadãos, pois eles escolhem os representantes que ele diz fazer as suas vontades, mas esses políticos não atendem essas vontades, fazendo o cidadão não usufruir de seus direitos.

Enquanto na democracia moderna os cidadãos escolhem seus políticos, a democracia antiga o cidadão é o próprio político, é ao mesmo tempo líder e liderado. Ele tem de promover em todo momento práticas que promovam o bem-estar social para que possa participar da Eclésia, grupo de cidadãos que governa o Estado na Grécia Clássica, ou se participa, para permanecer nela. Participar da Eclésia (As-sembléia), era uma contemplação, é um reconhecimento dessa participação, dessa bem-feitoria à sociedade, ao lar (como os antigos gregos se referiam à cidade). A participação na cena política era uma retribuição ao que o indivíduo fazia à comuni-dade, quando o deixava de fazê-la era retirado da assembléia.

Uma vez terminado o mandato de um membro da Assembléia, ele não poderia participar novamente da Eclésia, pois caracterizaria uma Oligarquia, ou uma timo-cracia, onde o Estado é regido por um grupo seleto. Hoje a participação política é comparada a uma profissão, é o político que dita as regras da comunidade, e não a comunidade que dita as regras da política.

Em Atenas, a democracia era explicada com a parábola do campo de trigo, “quando um ramo se sobressai ais outros ele tem de ser cortado”. O cidadão que participava da assembléia por um ano, depois saia dela e não sabia quando retornaria, ou se retornaria. Na democracia ateniense essa rotatividade permitia que todos participassem da Assembléia. Enquanto na democracia moderna há uma permanência na cena política. O indivíduo que é deputado depois se torna senador e presidente, quando o deixa de ser retorna para outro cargo, não deixando que outros participem da política. Isso faz da democracia moderna uma espécie oligarquia disfarçada, onde famílias tomam conta do poder (nacional ou regional) e não permitem que indivíduos participem da administração pública.

Além dessa permanência no poder há uma hierarquização do poder, a demo-cracia moderna se apresenta em uma forma piramidal, onde há o executivo na pes-soa do Chefe de Estado acima de seus ministros e logo abaixo seus deputados. O legislativo que deveria estar unido paralelo ao executivo mostra-se fragmentado e abaixo deste. Os legisladores se apresentam como contrários ou a favor de determi-nados governantes, e não contrários ou a favor de políticas praticadas ou projetos elaborados. Acaba que essa participação na cena política moderna se dá por meio de relações entre os governantes e governantes, e não entre governantes e gover-nados.

Na democracia ateniense não havia essa relação governante-governado, o governante era o governado e o governado também era governante. Um outro contra-ponto encontrado por Finley, que leva o significado da palavra democracia ao pé da letra, como já é sabido, democracia, na raiz da palavra, significa “poder que vem do povo”. Em Atenas o povo fazia o poder político, no Estado moderno quem faz o poder político é uma Elite representativa, que diz governar em nome dos cidadãos comuns, mas não o faz, causando a “Apatia Política” citada por Finley. Para ele a democracia moderna é uma distorção da antiga, é uma aristocracia disfarçada.

Na Atenas Clássica as leis eram feitas por cidadãos que tinham de obedecê-las posteriormente, enquanto cidadãos, pois logo deixaria de fazer parte da Assembléia e tinha de obedecer às leis como cidadão comum, e s enquanto membro da Eclésia ele descumprisse alguma lei, poderia ser retirado dela. Na democracia moderna o que se vê é o contrário. O cidadão comum coloca os governantes no poder mas não podem tirá-lo, a não ser pelo voto. As leis são feitas pelos governantes e os cidadãos comuns não podem questioná-las, apenas devem obedecê-las, e os governantes ficam acima delas, são imunes às leis que eles criam.

Democracia Antiga e Moderna nos ajuda a compreender como funcionava a democracia antiga e como funciona a contemporânea, trazendo suas semelhanças e divergências, seus pontos semelhantes e opostos. Líderes e liderados trata especificamente de como se dava a relação entre governantes e liderados, como eles se diferenciavam, de como eles se abalizavam, mostra que na Atenas Clássica havia uma relação de reciprocidade entre governo e sociedade, isso porque eram os dois uma só instituição. E na modernidade há uma relação semelhante è relação senhor-servo existente na Idade Média, o governo está superior à sociedade. O que, segundo Finley, não pode ser chamado de democracia.

O quê se pode concluir? Pode-se concluir que não se tem Democracia no mundo moderno, que esse sistema político é impossível quando se trata de milhões de indivíduos. Ao ver países ditos modernos e democráticos usarem da força para instituir a democracia em outros países ditos não democráticos deve-se questionar a democracia moderna. E o que dizer de casos como o que se prolonga desde o ano de 2003 quando soldados americanos invadiram o Iraque com a desculpa de instituir a democracia? Sabe-se que em regimes autoritários há um maior respeito às leis e à integridade do Estado, há um nacionalismo forçado, mas este ainda existe.

Quando se trata de democracia tomamos os países desenvolvidos como modelo, mas como uma país onde quem perde nas urnas assume a frente do Estado pode ser democrático, como um país que impõe-se sobre estados que ele mesmo reconhece a independência a fim de colocar neles as suas rédeas, como um país que preza pela democracia pode se definir como o remanescente do Império Romano? O conceito de democracia deve ser, e muito, repensado, afinal, está sendo deturpado por aqueles que dizem fortalecê-lo.


Trabalho apresentado originalmente à Disciplina História Antiga, do curso de História da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia em agosto de 2009. também disponível em: http://arvoredaliberdade.blogspot.com/2010/01/onde-esta-democracia-1.html desde 18 jan. 2010.




FINLEY, M. I. “Líderes e Liderados.” In: Democracia Antiga e Moderna, por M. I. FINLEY, tradução: Waldéa Barcellos. Rio de Janeiro, RJ: Graal, 1988.

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